Anotações de um caderninho espiral

Impressões sobre aquilo que acontece ao meu redor

quinta-feira, 21 de julho de 2005

Quando é melhor falar inglês

Chega incomodar ir a um shopping center e ver nas vitrines a palavra off estampada com todas as cores e tamanhos para indicar que as lojas oferecem descontos. Desagradável ou não, esse é apenas um exemplo de como a língua inglesa já contaminou desnecessariamente o português. Porém, às vezes, não dá para mudar as coisas nem forçar a barra. Poucos minutos atrás, durante a transmissão pela TV Record da partida entre Figueirense e Palmeiras, o locutor Luciano do Vale, em um lampejo de ufanismo e proteção ao idioma de Camões, traduziu o nome do ator norte-americano John Travolta. Ao anunciar a exibição no próximo domingo do filme Bilhete premiado (imperdível!!!), Luciano afirmou que John se chama, pelo menos na cabeça dele, João. Quem diria, hein? O astro de Os embalos de sábado à noite e Grease virou João Travolta. Mais brasileiro que isso, impossível! É isso aí, Luciano, quem sabe os shoppings centers também não mudarão de nome e a palavra off saia das vitrines? Se depender de você, ainda vamos passear em um centro comercial e aproveitar uns descontos sem a famigerada palavra off. Very cool, né? Opa, muito legal!

terça-feira, 19 de julho de 2005

Considerações sobre uma nação sem vergonha

“Talvez o sofrimento seja lançado às multidões em punhados e talvez o grosso caia em cima de uns e pouco ou nada em cima dos outros.”. Mas por que os afortunados, que não têm motivos para sofrer, nunca estão satisfeitos? A frase que abre esse texto foi pinçada do livro Nenhum olhar, do autor português José Luís Peixoto e a indagação, por sua vez, saiu da minha cabeça. Em sua obra, Peixoto descreve a dura vida dos habitantes do Alentejo. Localizada no sul de Portugal, é a região mais pobre da União Européia. Castigados pela miséria, os habitantes que vivem naquela terra passam os dias apenas buscando meios para sobreviver sem saber ao certo porque nasceram. A falta de esperança reina absoluta.

Já no Brasil três casos ocorridos nos últimos dias mostraram que ninguém tem pudores em passar a perna nos outros. Se em algum momento poderia haver uma pontinha de esperança por parte da maioria que recebeu o sofrimento em punhados generosos, a minoria que não sofre porque não recebeu sua parcela de sofrimento é capaz de destroçar sem nenhuma cerimônia qualquer tipo reação frente às dificuldades. A falta de escrúpulos e de vergonha moveu o assessor político a esconder alguns milhares de dólares na cueca. Há quem diga que algumas notas estavam marcadas. Isso que é dinheiro sujo! Piadinhas a parte, logo em seguida, um deputado-pastor evangélico foi pego com malas recheadas com milhões de reais após tentar embarcar em um jatinho. O deputado se defendeu ao afirmar que o dinheiro era proveniente de dízimos cedidos graciosamente durante os cultos. Curiosamente, haviam cédulas numeradas em seqüência. Uma dúvida paira no ar: será que os fiéis, em uma atitude de louvor supremo, entraram no banco em fila e se organizaram para sacar notas em seqüência? Por fim, a dona da loja mais cara do Brasil, que não queria perder dinheiro pagando taxas, quis ser mais esperta que todo mundo e declarava, por exemplo, um vestido de R$ 3 mil por ínfimos US$ 15 e depois o vendia por R$ 5 mil. É genial essa fórmula para lucrar sem correr o risco de ter prejuízo, né?

Em um cenário onde a vergonha desceu pelo ralo, a religião foi varrida para debaixo do tapete e o luxo não passa de um escarro esquecido em um chão poeirento, todos os brasileiros transformam-se em palhaços, mas, mesmo enganados, acham que podem levar um por fora numa boa. Aí vira um salve-se quem puder! E quando alguém que saiba ler e tenha dinheiro para comprar um jornal, vai abri-lo e perceber que mais uma pessoa que não sofre vai querer mais e não medirá esforços para se empanturrar e fazer aqueles que sofrem sentirem-se, como de costume, perfeitos idiotas. “Um homem sem certezas perde quase tudo de ser homem”, escreveu Peixoto. E sobra alguma coisa desse quase? Se sobrou, alguém deve estar tentando puxar o tapete do outro para lamber as migalhas.

terça-feira, 5 de julho de 2005

Cinema surdo-mudo

Já confortavelmente acomodadas em suas respectivas poltronas, avó e neta começam a conversar para matar o tempo antes de o filme da sessão das oito começar.

- Vó, a senhora viu que está passando um filme feito no ano que você nasceu?
- Hein?
- Você viu que está passando um filme feito no ano que você nasceu?
- Hein?
- Tem um filme do ano que você nasceu, sabia?
- Qual ano?
- 1928.
- Qual ano?
- 1928!
- O que é que tem 1928?
- É o ano que a senhora nasceu e tem um filme de 1928 passando nos cinemas, estreou sexta-feira passada.
- Hein? Sexta-feira, o que é que tem?
- Foi relançado um filme que foi feito no ano que a senhora nasceu.
- O que tem eu?
- Com você nada! Eu só estou tentando dizer que tem um filme passando nos cinemas que foi feito no ano que você nasceu?
- Um filme? Qual filme?
- "O homem das novidades", com o Buster Keaton.
- Novidades? Quais novidades?
- Nenhuma novidade. O filme se chama "O homem das novidades".
- E o que é que tem esse filme?
- Foi feito no ano que a senhora nasceu.
- O que foi feito no ano que eu nasci?
- Um filme que se chama "O homem das novidades". Entendeu?
- Entendi o quê?
- Deixa para lá!

Depois de um longo suspiro, a netinha tirou um chiclete sem açúcar da bolsa e a conversa foi reiniciada pela avó.

- Sabe o que me contaram?
- Não, o quê?
- Está passando um filme feito no ano que eu nasci.
- Sério? Eu não sabia. Quem disse isso para a senhora?
- Não sei. Não me lembro. Olha aí, finalmente o filme vai começar. Já estava na hora!

Dessa vez, a netinha concordou apenas com um sorriso sutil e depois mascou três vezes o chiclete com força suficiente para destroçar um caroço de azeitona.