Anotações de um caderninho espiral

Impressões sobre aquilo que acontece ao meu redor

sexta-feira, 3 de junho de 2005

O cúmulo da feiúra

Ela é tão feia que sua beleza só serve como antídoto para o Viagra.

quinta-feira, 2 de junho de 2005

O mundo está perdido

Amélia e Leocádia são senhorinhas bastante elegantes. Em algum lugar do passado cada uma já deve ter apagado pelo menos 70 velinhas de um bolo de aniversário. No último sábado, resolveram ir ao cinema para assistir ao novo filme do Woody Allen, Melinda e Melinda.

Como ainda era uma e meia da tarde e a sessão só começava às duas, a única opção para matar o tempo era conversar. Depois de reclamarem do calor em pleno outono, parecia que os assuntos já haviam se esgotado. Mas o silêncio passou a incomodá-las, então Leocádia deu início a um curioso diálogo sobre a 9ª Parada do Orgulho GLTB, ou simplesmente, a Parada Gay.


- Você viu que amanhã o Brasil vai ser o campeão mundial de gays? - perguntou Leocádia com os olhos arregalados.

- Sim, eu vi! Li no jornal alguma coisa. Amanhã a avenida Paulista estará cheia daquela gente. Nem vai dar para sair de casa. Como vamos fazer para ir ao clube? - indagou Amélia em tom de preocupação.

Leocádia não soube responder e calou-se. Ambas suspiraram e Amélia deu uma olhada no relógio de pulso para saber se ainda faltava muito tempo para entrar. Como estava sem os óculos para enxergar de perto, não conseguiu ver muita coisa. Há alguns anos, passou a acreditar que os ponteiros eram muito finos e os números extremamente pequenos. Perceberam que a fila ainda não tinha se formado. Depois de resmungarem sobre a demora da abertura da sala, começaram a procurar os culpados pelo transtorno. O programa dominical de ambas estava ameaçado.

- É! Mas sabe quem abriu as portas para isso? Foi a Marta, no governo passado. Antes não era assim. - afirmou Leocádia cheia de indignação.

- Na verdade, - disse-lhe Amélia, sem hesitar - o problema é que hoje em dia tem muita propaganda. Isso é que incentiva as pessoas.

A conversa sobre o transtorno que a parada iria provocar não pôde ir adiante porque Leocádia lembrou que a novela das seis estava acabando. E Amélia estava extremamente preocupada com o destinos do galã. Não sabia se a mocinha ia se casar com ele no último capítulo. Finalmente a fila se formou e as duas amigas puderam entrar na sala de projeção.

Quando o filme terminou, não esperaram o final dos créditos e caminharam vagarosamente em direção à rua com cara de indiferença. Nem parecia que acabaram de ver um filme. Na calçada, Amélia esticou o braço e fez sinal para um táxi parar. Entraram com um pouco de dificuldade e permaneceram caladas por todo o percurso. Só Leocádia dirigiu a palavra ao motorista para explicar onde queriam descer. O taxisista estacionou em fila dupla, Amélia pagou a corrida sem dizer uma palavra e fez questão de esperar pelo o troco. Colocou as duas moedas de cinco centavos no porta-níquel bordado com madrepérolas e ajudou Leocádia a sair do carro.

As duas entraram em um prédio na alamenda Santos, quase na esquina com a rua da Consolação, acenaram discretamente para o porteiro, subiram dois lances de escada se apoiando no corrimão, tomaram o elavador social e se trancaram no apartamento número 24, no segundo andar.

Amélia e Leocádia passaram o restante do sábado e o domingo inteiro sem sair de casa com medo daquela gente que, infuenciada pela política e pela publicidade, infestou a avenida Paulista.